SIMONE DE BEAUVOIR E O SEGUNDO SEXO
- volvoblog
- 9 de mai. de 2016
- 3 min de leitura
CULTURA

"O espaço das mulheres nas sociedades não tem relação com biologia, anatomia ou natureza"
Alguns estudantes têm me questionado sobre uma questão do Enem deste ano. Refiro-me à reprodução de parte de texto do livro O segundo sexo, publicado em 1949 por Simone de Beauvoir, filósofa, escritora francesa e esposa de Jean-Paul Sartre, crítico, filósofo e escritor francês. Leiamos a questão:
“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino. (BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1980)
Na década de 1960, a proposição de Simone de Beauvoir contribuiu para estruturar um movimento social que teve como marca o (a)
a) ação do Poder Judiciário para criminalizar a violência sexual.
b) pressão do Poder Legislativo para impedir a dupla jornada de trabalho.
c) organização de protestos públicos para garantir a igualdade de gênero.
d) oposição de grupos religiosos para impedir os casamentos homoafetivos.
e) estabelecimento de políticas governamentais para promover ações afirmativas.”
A resposta correta, segundo o gabarito, era a letra (c).
Como amplamente divulgado pela mídia, vereadores de Campinas (SP) interpretaram a questão do Enem como ideologia de gênero, a partir da qual fizeram a pergunta: “Como pode alguém ser homem de manhã e mulher à noite?” Em outras palavras, atribuíram erroneamente o sentido, repercutindo a iniciativa do vereador Campos Filho (DEM) da aprovação da moção de repúdio a Simone de Beauvoir.
No entanto, diz a advogada Ana Carolina Cavazza, também de Campinas: “A questão pediu para que os candidatos [do Enem] fizessem a associação entre o pensamento de uma filósofa com um fato social. Para esses senhores, não se pode perguntar ou debater a ideia de uma filósofa que tem um pensamento diferente do deles [...]. Os vereadores voltaram a protagonizar um papel absurdo associando questões com uma suposta ideologia de gênero, que é uma coisa que não existe”.
Beauvoir é uma referência na luta pelos direitos femininos na sociedade. A questão do Enem trata da organização de protestos do movimento feminista pela igualdade de gênero, com intuito de eliminar as desigualdades sociais entre homens e mulheres. Pensemos: as crianças, desde pequenas, foram educadas de formas diferentes. Nas atividades lúdicas, as meninas recebiam pequenos fogões e vassouras, entre outros. Eram preparadas, a partir do lúdico, para a vida social, a exemplo dos meninos, que recebiam bonecos destinados a brincadeiras de luta.
Juremir Machado da Silva, professor universitário, escritor, tradutor e jornalista, esclarece: “Papai no trabalho, mamãe em casa? A anatomia nada tem a ver com isso. Essa concepção é apenas uma construção histórica que se converteu em ideologia machista. O próprio das ideologias é a naturalização de ‘verdades’ (...) Simone de Beauvoir ajudou a mostrar que as mulheres não são objetos nem propriedades dos homens. Mais do que isso, que não precisam ser protegidas por seus senhores da guerra nem tuteladas. (...) A fórmula de Simone pode ser aplicada aos machistas e aos obscurantistas. Não se nasce machista. Torna-se. Não se nasce obscurantista. Torna-se. Pela cultura. De certo modo, a natureza é uma invenção cultural. Simone morreu em 1986. Ao longo dos seus 78 anos, escandalizou os conservadores, iluminou o caminho das mulheres, lutou contra a barbárie da dominação masculina”.
O espaço das mulheres nas sociedades (controladas pelos homens) não tem relação com biologia, anatomia ou natureza. É fruto da construção histórica.
LEITURA:


Fonte: Jorge Antonio de Queiroz e Silva, historiador, palestrante e professor, é membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.
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