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OUSADIA NÃO FAZ MAL A NINGUÉM

CONTO

Fazia muito tempo que eu desejava aquele cara. Quando o vi pela primeira vez, há mais de cinco anos, pensei: “Ainda me aproximo dele e vamos ver no que dá!”. Ele era muito imponente que, entre todos os que estavam na reunião, ele parecia ser o mais importante. Tinha uma autoridade que era dele, por demonstrar ser ele mesmo, sem rodeios, sem arremedos. Era tão singular nisso e tinha um jeito tão doce e tão terno que fiquei estonteada. Mas, parecia ser algo tão distante ser sua amiga, havia um caminho tão longo... Lembro-me de que ganhei duas de suas publicações e isso jamais me permitiu esquecer o seu nome... E por complemento, o seu rosto, sua voz e seu jeito. No ano passado, eu estava tomando um café quando o avistei. Meu Deus, era ele! Conversamos sobre o país, a ciência, as políticas públicas... Até que cada um foi-se embora.

Ficamos amigos pelo Facebook. Que legal! Agora poderia vê-lo e segui-lo, saber dele, sabendo que qualquer aproximação demandaria percorrer um caminho longo para chegar ao ponto de uma aproximação mais íntima. Mas, resolvi tentar. Não tinha nenhum plano nem pretensão. Sempre em minha cabeça vinha o mesmo pensamento: ele era um homem interessante, desses que a gente conhece, sabe que existe e que fica apenas na nossa imaginação. Havia a questão da formalidade e meu lema sempre foi “tudo pelo social”.

Comecei por enviar-lhe um texto meu, que havia sido publicado recentemente. Pedi sua opinião. Aí começou um papo. Depois pedi que me indicasse uns autores específicos da área dele e pedi que assim que pudesse levasse alguns livros para mim. Deveríamos nos encontrar em mais um seminário dali a uma semana. E num gesto que para mim foi de extrema ousadia, terminei o pedido com uma frase de impacto: “Como recompensa eu te darei um beijo, ou dois”. Ele, formal e polidamente, simplesmente respondeu: “Será um prazer!”

Uma semana se passou. Chegou o dia do tal seminário. Solenidade de abertura. Não o vi. No intervalo do almoço juntei-me a uma turma de amigos e fomos procurar um bar ou restaurante. Logo na entrada, a surpresa, uma mesa enorme posta e ele sozinho aguardando a diretoria do seminário e, assim, nos recebeu como se fôssemos seus convidados. Até que tudo se esclareceu, fora apenas uma doce coincidência. Ele sentou-se conosco. Eu e mais os cinco rapazes que me acompanhavam. Da parte dele, nenhum olhar ou gesto revelador de suas primeiras intenções comigo. Tive uma imediata sensação de que aquele romance nunca iria acontecer. Mesmo no final, quando todos já haviam se despedido e ele ficou de conversa comigo, era tudo educação e polidez. Como dar um passo a mais? Eu não podia.

Mais um dia de seminário. Assisti à apresentação dele. Caramba, como eu queria dar para ele! À noite, mais uma vez nos encontramos. Uma grande turma do seminário estava reunida no segundo andar de um bar da Lapa, especialmente reservado para nós. Cheguei com três amigos. Logo todos os demais me receberam com sorrisos e gentilezas. Um professor, gordo e velho, cedeu a sua cadeira para mim, deixando entrever que estava interessado. Ri por dentro achando que era muita pretensão da parte dele. E fiquei ali, recebendo a atenção de todos.

A minha energia circulava no ar e todos me rodeavam como se cada um tivesse a esperança de ser o escolhido. Enquanto isso, ele circulava conversando com as pessoas. Chegou perto do meu grupo, copo na mão, e então aproveitei para dizer-lhe com os olhos: “E aí, ainda não deu pra perceber que te quero na minha cama?” Mas, ele simplesmente me retribuí com um olhar de “Tudo bem?” Novamente aquela sensação de que jamais o pegaria rondava minha mente. Eu não sabia nada a respeito dele, exceto o que todos do meio acadêmico por certo também sabiam. Se era casado, se estava apaixonado... Nada. Pensei mesmo que nada ia rolar, nunca. “Será que ele não tinha entendido meus sinais? Ou será que entendeu e não estava interessado?”. Pior ainda, cheguei a pensar que ele era gay.

Acordei de ressaca na manhã seguinte. Não sei se pela bebida ou pelo tesão. Uma amiga maluca me mandou uma mensagem:

- E e aí, pegou?

- Que nada. – Respondi sem esconder minha frustração.

- Por quê? – Insistiu ela.

- Simplesmente porque parece que ele não sabe que quero dar para ele. – Constatei.

- Fácil, então, conte para ele!

- Tá doida, como?

- Ouse, seja direta. Tipo: “quero fazer sexo com você!” Ou melhor, não. Tem que falar, fuder ou trepar. – disse a louca entre risadas.

- Cara, não vê que quero trepar com você? – Repeti.

- Boa! – Assentiu ela.

- Putz, mas como vou dizer isso a ele? A gente não tem essa intimidade.

- Diga. Simples assim.

- Ele vai se espantar! Não tenho coragem.

- Amiga, homem que se assusta com a palavra ‘trepar’ não merece uma trepada!

- Não, definitivamente não tenho coragem. Vou esperar ele mostrar interesse.

- Amiga, você tem cara de séria! E ele jamais vai imaginar que uma gostosa como você quer dar para ele. Vamos, peça o WhatsApp dele.

- Como? Por que não pode ser pelo Facebook?

- Não. Tem que ser pelo Whats, para você ver a hora em que ele viu e quando vai responder.

Pressionada por aquela maluca, escrevi para ele: “Qual é o seu WhatsApp?” A resposta veio de imediato e, em seguida a ela, um texto meu como retorno: “Olha, eu não fui ao lançamento do seu livro ontem, mas hoje não posso sair sem um exemplar autografado”. Ele explicou que estava terminando de preparar uma palestra, que depois teria uma reunião com um ministro de Estado e que a gente se falaria mais tarde. Ou seja, ele não podia falar naquela hora.

E a louca da minha amiga tinha insistido para que eu mandasse a mensagem. Imagina! Ele estava ocupado e já havia me dispensado.

Eu realmente o desejava e nenhuma outra pessoa no mundo seria capaz de aflorar meu desejo daquele jeito. Então escrevi a fatídica mensagem e, depois de muita hesitação, a enviei: “Quero trepar com você!”. Era isso mesmo. Era o que eu queria. Não era um pedido, um convite e nem era um pergunta. Era uma comunicação. Agora ele saberia com todas as letras, de forma clara e objetiva. Sem rodeios, sem jogos. Caberia a ele dar o próximo passo e talvez esse passo jamais fosse dado, mas eu tinha a certeza que, de alguma forma, ele jamais ficaria indiferente a mim.

Naquela tarde, resolvi descansar. Não fui ao seminário. Não assisti à palestra dele. Não saí à noite. Fiquei entre livros e escritas. Às sete horas da manhã chegou-me uma mensagem dele pelo WhatsApp: “Onde você está?” Sorri com a pergunta. Deu certo. Ele viria! Respondi enviando-lhe o nome do hotel e fui tomar banho. Três ligações foram perdidas até o telefone tocar de novo. Depois dos cumprimentos cordiais de sempre, ele falou: “Escuta, estou querendo ir aí te levar os livros que você me pediu”. “Claro, pode vir”, respondi não escondendo minha excitação. Às nove horas em ponto ele chegou e me disse: “Olha, eu estou louco de tesão por você, quase não dormi essa noite, mas eu tenho um problema, sou casado”. Simplesmente respondi “Então estamos quites”.

©Lea Alter-2015 leaalter@gmail.com

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